A freguesia de
Morais celebra anualmente várias festas que misturam,
como é apanágio desta região, o religioso
e o profano. São elas:
A corrida da Rosca tem lugar no fim-de-semana seguinte à
festa referida anteriormente. A Rosca é uma bola de
forma circular (um donuts) mas em tamanho maior confeccionado
propositadamente para esta altura. Marca-se um trajecto de
aproximadamente 100 metros, formam-se equipas "ad hoc"
e corre-se, o mais que se poder, para ganhar a rosca.
No lugar da Paradinha, salienta-se, apenas, o Dia do Aldeão.
Nesta freguesia tão tradicional não poderiam
deixar de existir lendas, isto é, histórias
que passam de geração em geração,
de avós para pais e destes para os seus filhos. Com
efeito, o Cabeço da Paixão, descrito anteriormente,
é um lugar que tem algo de mágico, facto este
que serviu para incrementar a Lenda da origem do nome da aldeia
– Morais.
Reza a lenda que em tempos idos o local do povoamento que
hoje dá pelo nome de Morais situava-se mais a sudeste
da actual localização. Ora os mouros, que segundo
diziam eram os habitantes do cabeço da paixão
bombardearam a aldeia até à sua destruição.
Mais tarde, quando os mouros foram embora, a população
reagrupou-se e construiu uma nova aldeia, mas agora no sopé
desse monte. Quando as populações de Lagoa,
aldeia que se localizava a 6 km de Morais, passavam por esta
nova aldeia admiravam-se da nova localização
da aldeia e perguntavam aos habitantes
-Então agora morais aqui?
E tantas vezes foi repetida a mesma pergunta que Morais ficou
a ser o nome da nova aldeia.
Relativamente ao nome Cabeço da Paixão reza
a lenda que os mouros gostavam muito do local onde se situava.
Quando estes foram obrigados a deixar o local, muito tristes,
despediram-se do monte precisamente com estas palavras: “Adeus
Cabeço da minha Paixão”. Por este motivo
o local ficou conhecido pelo nome que hoje é designado.
Morais é uma freguesia muito rica em tradições,
a maior parte delas de cariz religioso, como é o caso
das rezas e das mezinhas: Assim, destaca-se o Rezar às
trindades, o Rezar à Ceia, as Veladas, o Rezar às
Almas, as Rezas à Lua Nova, as Rezas ao Deitar, a São
Bartolomeu e o Responso.
Rezar às Trindades
Este tipo de oração deve ser feito três
vezes por dia: ao amanhecer, ao meio-dia, sobretudo na altura
da Quaresma, e ao anoitecer (lusco-fusco). É uma oração
para ser dita em família. Devem estar todos presentes.
Quando tocava às trindades e, se por acaso, os garotos
não estivessem em casa já o caso estava mal
parado para eles. E não eram só os pais que
não gostavam desse facto, pois as próprias pessoas
na rua os levavam, à pancada para casa. Os meninos,
depois de terminada a oração deviam pedir a
bênção aos pais e a todos os presentes
mais velhos. Primeiro ao pai, depois à mãe.
Ele pedia: Faça favor, dá a sua bênção!
O adulto, pais ou amigos, estendiam a mão e o menino
beijava-a nas costas. Ao mesmo tempo, o adulto dizia: Deus
te abençoe, meu filho.
Nesta altura havia a tradição de velar nas casas
dos vizinhos. Por vezes ia-se para as casas mais ricas já
que antes de ir para a cama devia-se “matar o bicho”.
Comia-se pão, figos secos, aguardente, nozes, marmelada,
etc.
Rezar à ceia
Bênção da mesa: Esta oração
era unicamente feita à ceia. Nas refeições
feitas durante o dia não se fazia a bênção
da mesa. No entanto, em ocasiões especiais, como por
exemplo na matança do porco, esta oração
era proferida. Nesta oração não se esqueciam
as obrigações dos presentes.
As Veladas
As Veladas eram os momentos de lazer de há 50 anos.
Eram aquilo que equivale hoje à televisão. Depois
de cear e de acomodar os animais, as pessoas deslocavam-se
para as casas umas das outras e ficavam lá a conversar
e a rezar até à hora de ir para a cama.
A regra era não estar calado. Conversar-se de tudo
e de nada, contavam-se anedotas, verídicas ou inventadas,
histórias estranhas de bruxas, bruxedos e almas penadas
e davam-se notícias. No fundo estes momentos eram as
únicas notícias que se iam tendo na altura.
Em conjunto com as conversas “matava-se o bicho”
e rezava-se. Rezava-se o terço às almas.
Rezar às almas
Por volta das 9/10 horas, altura em que se velava, o sino
tocava às almas. O toque era específico: badaladas
espaçadas umas das outras de forma a que quando acaba-se
de rezar acabavam também as badaladas. Esta oração
era característica da época de Inverno, quando
as noites eram mais longas.
Rezar ao deitar
A altura de deitar era aproveitada para rezar, por si, mas
também por toda a família que era toda incluída
nas orações. Aí não se esqueciam
os filhos, os maridos, os amigos conhecidos e, até
por vezes os inimigos.
Reza a São Bartolomeu
São Bartolomeu é advogado dos maus espíritos.
Reza a lenda que em vida teriam tirado a pele a este santo
e a colocaram em cima de uma pipa de vinho. Ora, o vinho dentro
desta pipa nunca mais acabava.
Responso
Quando alguma coisa ou alguém se perdia, mandava-se
“arresponsar” a alguém que a tradição
lhe tivesse dado o poder de “arresponsar”.
No entanto, não se podem esquecer as tradições
pagãs, que nesta freguesia também abundam. São
elas realizadas no Entrudo, na Quaresma, na Páscoa,
no Verão, no Outono e no Natal.
Entrudo
O Entrudo, ou Carnaval, seria a primeira festa do ano. Há
tempos nesta altura até os próprios estudantes
tinham uns dias de férias, semelhantes aquilo que se
passa neste momento.
Antes do Entrudo, ou seja, o dia da festa que como hoje era
móvel, os miúdos e graúdos, fazem uma
grande algazarra anunciando o Entrudo. Esta algazarra era
feita através do barulho produzido pelas zungas e zungões.
Consoante o seu tamanho. Estes objectos era, realizados manualmente
com o auxílio de uma navalha ou machada e consistia
em lascar um pau de esteva, para fazer as zungas, ou uma tábua
de caixão das sardinhas, pois não havia outro
tipo de tábuas. As zungas produziam um som mais estridente
que os zungões, dando, assim, jus ao nome. Estas lascas
de madeira eram presas a um pequeno pau com o auxílio
de um cordel. As pessoas divertiam-se fazendo barulho.
Alem deste hábito, havia, ainda, nesta época
a tradição de Botar uma Caçada. Esta
está envolta de uma simbologia muito própria.
Os namorados “roubavam” um caco de flores, que
normalmente se encontravam nas sacadas das casas e, como as
portas se encontravam sempre abertas, ou facilmente se abriam,
estes cacos eram atirados para dentro das casas fazendo um
grande estardalhaço. Como é bom de ver, logo
que tal acontecia dava-se corda aos calcantes para que a mãe
da dita não apanha-se os fazedores de tal artimanha.
Mas aqueles que gostavam mais ou tinham mais posses económicas
faziam caçadas de rebuçados, nozes ou outras
boas coisas de forma a adoçar a relação
que gosta-se de manter. Contudo, também havia o reverso
da medalha. Se um determinado sujeito não gosta-se
de determinada pessoa, botava caçadas, mas estas eram
feitas de “ingredientes” pouco recomendados…
De qualquer forma esta actividade dava que fazer as senhoras
porque normalmente sujava a casa. Ela terminava dias antes
do Entrudo.
Teria que assim ser porque na noite imediatamente a este
dia eram publicitados os casamentos. Este eram realizados
nos dias anteriores ao Entrudo e implicavam todas as pessoas
solteiras da aldeia. Um grupo de rapazes reunia-se e casava
os rapazes e as raparigas solteiras. A publicitação
destes casamentos era feita por duas pessoas (rapazes) situados
num local estratégico (normalmente um local elevado)
e, munidos de um embude (funil grande que servia normalmente
para encher as pipas de vinho novo) dando a conhecer os rapazes
e as raparigas quem lhes tinha calhado em sorte.
Normalmente o dote seria algo de contrário ou um comentário
jocoso relativamente aos casados. No dia seguinte, o rapaz
devia ir a casa das raparigas com duas intenções:
primeiro “matar o bicho” e depois pedir um beijo
à dita. À noite, se houvesse baile dançariam.
Além desta actividade o dia de Entrudo também
primava por ser uma época em que se comia mais do que
o normal, já que a época da Quaresma se aproximava.
Neste dia comia-se sobretudo orelha de porco e pé de
porco. Esta situação deu origem mesmo a um dito
frequente quando alguém se encostava a outra pessoa.
Nesta situação dizia a pessoa em causa: Ou,
ou, vai encostar-te ao que “comiste” dia de Entrudo.
No Entrudo come-se tudo. Não se come caldo no dia
de Entrudo para não pingar o nariz. Se alguém
durante o ano andasse com o nariz a pingar dizia-se: Olha
como te pinga o nariz, ”comiste” caldo no dia
de Entrudo.
Quaresma
A Quaresma inicia-se na quarta feira de cinzas (dia de presença
obrigatória na missa para receber as cinzas) e prolonga-se
até à Páscoa. Esta era uma época
de privações: As pessoas eram obrigadas a jejuar,
não se podia comer carne, e esta interdição
era de tal forma levada à risca que os fumadores deixavam
de fumar e havia até quem jejuasse a pão e água.
Por esta altura os mais pequenos divertiam-se a jogar ao pião
e ao spicha. Praticavam também o jogo do bota fora
e o jogo do céu e do inferno.
Jogo do bota Fora
Este jogo não tem um número limite de participantes.
Fazia-se um circulo relativamente grande no chão dentro
do qual se fazia outro mais pequeno. O desenrolar do jogo
era relativamente fácil: os participantes deviam atirar
o pião de forma a acertar no circulo mais pequeno.
Se isso não acontecesse esse teria de deixar lá
o pião para que os outros o tirassem para fora do circulo
maior às ferroadas.
Cerra das Velhas
Esta actividade estava reservada para uma única noite.
Precisamente no meio da Quaresma, ou seja, na noite que marca
o meio da mesma. As mulheres que se cerravam eram todas aquelas
que já tinham netos. Tal como a madeira se cerra quando
já está criada, as mulheres também se
cerravam quando já tinham alguma serventia. Iniciava-se
ao anoitecer depois de jantar. Um grupo de pessoas, homens
e rapazes, arranjavam um carro de bois no qual colocavam um
cortiço, e uma cerra, um cilindro de cortiça
que normalmente servia para espadar o linho ou fazer barrelas
(este nome dava-se à actividade de lavar a roupa branca.
A roupa previamente lavada colocava-se dentro do cortiço
e deitava-se-lhe água a ferver.)
Pegavam no carro e levavam-no para junto da casa da senhora
avó que seria cerrada. Quando chegavam junto dela o
responsável dizia: “Estamos no meio da Quaresma
sem provar o bacalhau, vamos serrar esta velha como quem cerra
um pau. Vamos serrar a mãe do t’i palhas que
da madeira para umas cangalhas.” Nisto aquele que estivesse
encima do carro começava a cerrar o cortiço
de forma a fazer-se ouvir bastante.
“Chorai meus netinhos, chorai…”
os miúdos começavam a gritar e a chorar gritando
pela avó.
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